23 fevereiro 2012

O sofrimento e a graça que o acompanha




O sofrimento é o grande enigma da vida. O mundo de hoje está sobrecarregado de reportagens de vítimas de desastres. Sofrer não é apenas um mistério da vida humana, porque todas as criaturas que respiram se confrontam com esta realidade ardente. Os animais fazem os possíveis para o evitar. O mesmo fazem os seres humanos, mas nós vamos mais longe. Reflectimos sobre o seu significado. Atrevemo-nos a perguntar porque é que é assim. Cientistas, académicos, teólogos, artistas e poetas reflectem sobre o seu próprio sofrimento e todas as dificuldades que experimentamos.

Porquê? Questionam-se. Porquê? Perguntamos nós. Não é uma questão nova, ainda que hoje nós tenhamos melhores meios para controlar a dor, para lutar contra ela. É possível vencer o sofrimento? Não. O sofrimento tem a última vitória. Mas será que sim?


Todos os sistemas filosóficos lutaram com este problema. Todas as grandes tradições culturais ou cada narração lembra-nos que estamos sujeitos à perda. Os antigos dramaturgos gregos inventaram histórias comoventes que ainda hoje nos fazem chorar, e nós tomamos as suas palavras de empréstimo para descrever o forte ataque da desgraça arrasadora.

Ao procurarmos uma saga emocionante de aflição e adversidade expressa nas Escrituras lemos o livro de Job, que é uma figura lendária numa história expressa de forma poética. Ao princípio, tudo é sol brilhante e prosperidade para Job. Job é feliz e afortunado. E então começa o relatório. Bois e mulas, ovelhas e pastores, camelos e os que tomavam conta deles, todos estão perdidos. Os ouvidos de Job ouvem este estribilho da boca de cada mensageiro: “só eu escapei para contar o que aconteceu” (1: 15, 16, 17). Finalmente chega a tristeza principal: os sete filhos de Job e as três filhas morrem porque uma casa cedeu à força de uma ventania poderosa. E até o próprio Job é assaltado por feridas graves. Tudo isto nos capítulos um e dois. Job infeliz e desafortunado. Depois, seguimos o debate ente Job e os seus amigos que o reprovam; ouvimos Job, na sua miséria, a falar do Senhor como sábio e forte (9: 4). E ouvimos a voz de Deus no meio  da tempestade.

Finalmente, chegamos à conclusão: Job é justificado. Tudo é restaurado e mais do que restaurado — ovelhas, bois, camelos são acrescentados em muito maior número. E mais sete filhos e mais três filhas! O mesmo número de filhos e a mesma proporção de rapazes e raparigas. Eu desejaria que o autor nos tivesse deixado ver Job a lembrar-se dos seus primeiros dez filhos, lembrando-se de como os tinha amado e os tinha perdido. Ao olhar para este segundo grupo de filhos, teria ele dito para si mesmo: “Ela sorri como a irmã mas velha; os olhos deste fazem-me lembrar os do seu irmão que morreu”?

Nós perguntamo-nos: Porquê? Porque é que nós perdemos aqueles que amamos? Porque é que acontecem as catástrofes? O Livro da Consolação, de Isaías, começa com estas palavras “Consolaiconsolai o meu povodiz o vosso Deus.Falai com ternura (40: 1,2)... porque és precioso para mim, és digno de estima e ... eu te amo” (43: 4). Este mesmo Deus reconhece: “Eu te provei na fornalha dosofrimento. Por minha causa, só por minha causa é que eu fiz isso” (48: 10,11). Finalmente, Isaías descreve como o Senhor lida com os que estão enredados na tragédia. “(Deus) que se compadece deles conduzi-los-á e os guiará para onde fontes de água.” (49: 10). “Montanhasrompam em aclamaçõespois Jahvéconsola o seu povo e se compadece dos seus pobres” (13); “...dor e afliçãoficarão para trás” (51: 11). “Com amor eterno, eu me compadeço de ti, dizJahvé, o teu redentor.” (54: 8). Que mensagem nos é dada por Isaías!

O conforto de Deus dá-nos força. A palavra conforto vem, do latim fortalecer. O sofrimento esvazia-nos, e neste vazio nós necessitamos do conforto que encherá a parte do que foi esvaziada. A Graça vem até nós como um dom da misericórdia de Deus para nos dizer que Deus vai refazer o que nós perdemos. De novo Isaías proclama a sua mensagem de esperança. “O Espírito do Senhor estásobre mim, porque Jahvé me ungiu. Ele me enviou ... para transformar sua cinzaem coroa, seu luto em perfume de festa, seu abatimento em roupa de gala” (61: 1, 3).

Isaías descreve uma viragem completa e total. Parece que nos está a dizer que a angústia nas nossas vidas nos dá direito a uma nova alegria. Este é o trabalho da graça que nos ilumina na nossa aflição. A graça desperta novas capacidades para reconhecermos a presença de Deus na nossa dor, e nessa presença está a semente da paz actual assim como da futura felicidade.

À medida que a morte se aproximava, Santa Teresa de Lisieux resumiu assim a sua pequena vida de vinte e quatro anos de existência humana: “A minha vida não tem sido amarga, porque eu sabia como mudar toda a amargura em algo alegre e doce” (Últimas Recordações). Este conhecimento Teresa adquiriu-o não desde o princípio mas através das lutas, que cada um descobre à medida que a vida se desenrola. Isto não quer dizer que Teresa não chorasse como nós quando estamos a viver as dificuldades e a tragédia. Mas a fé e a esperança animam os nossos corações mesmo quando as lágrimas caem. Porque tudo o que perdemos nos será dado de novo quando a eternidade surgir, e o dar-nos conta disso traz luz à escuridão da agonia terrena.

“Alegrar-me-ei e ficarei alegre na Tua bondade, pois viste a minha miséria e olhaste por mim na minha aflição” (Salmo 31: 8)