A Quaresma é, como há muito sabemos, um tempo de
conversão. Esse é um tema que jamais perde a sua atualidade na vida cristã, por
isso queremos mais uma vez refletir sobre ele. A imposição das cinzas – com que
a Igreja inicia a nossa preparação para a celebração solene do Tríduo Pascal –,
não pode ser um gesto formal, folclórico, mera tradição. Ele deve ser expressão
de um compromisso de deixar-se moldar pelo Espírito Santo para a conversão
pessoal e comunitária.

A atividade pública de Jesus começa com forte anúncio:
“Convertei-vos...”. Na Quarta-Feira de Cinzas sentimos ainda o eco da voz do
Senhor, que mediante a Igreja, nos convida à conversão: “Convertei-vos e crede
no Evangelho”. É em chave cristã que somos chamados a entender o forte convite
de Jesus. Para isso, eu tomo a parábola do Filho Pródigo ou do Pai
Misericordioso, pois nela vamos encontrar o mais significativo exemplo do que
nós cristãos devemos entender por conversão: é abandonar os falsos deuses, que
insistem em dominar o nosso coração, e ir ao encontro do Deus verdadeiro, o
Pai. Ir ao encontro d’Ele e deixar-se transformar por Seu amor é fonte de uma
nova vida. Por isso, Jesus, ao ser procurado por Nicodemos, explicou-lhe que
seria necessário nascer de novo para ver o Reino de Deus.
Podemos afirmar: aqui está o verdadeiro sentido da conversão:
“nascer de novo”. É essa a grande maravilha que Deus quer operar na vida
dos seus amados. A conversão é recriação do ser, um fato mais admirável que a
criação do Universo. É obra em primeiro lugar do Espírito Santo em nós, para
que com sabor novo possamos pronunciar: “Abba”.
Parece-me que o belíssimo quadro “A volta do filho
pródigo”, de Rembrandt, quis expressar essa realidade da conversão como um novo
nascimento, quando nos apresenta o filho estreitado entre as mãos do pai, com a
silhueta um tanto informe de um embrião humano. Ele está sendo gestado na luz,
no calor, no abraço amoroso do Pai Misericordioso. Assim, a conversão nos lança
num relacionamento mais profundo e íntimo com Deus, a quem não vemos e,
necessariamente, com os irmãos, aos quais vemos bater à nossa porta com fome,
frio, cansaço, doença, solidão e desespero. Só homens e mulheres “novos”
sentirão compaixão ao ver nos rostos – deformados pela miséria –, a face mesma
de Jesus.
No período da Quaresma, a Igreja quer preparar seus fiéis,
mediante a solene celebração do Tríduo Pascal, para a renovação de nossa
existência em Cristo. Os exercícios quaresmais como jejuns, abstinência,
esmola, paciência com o próximo, irão favorecer esse nascer de novo. Seremos
gestados no seio da Igreja, na comunidade.
Na força da vida nova que nos impregnará, com ardor
renovaremos nosso compromisso de servir o Reino de Deus, de dobrar, em atitude
humilde e serviçal, os joelhos diante de nossos irmãos pequeninos. É essa a
graça que mais devemos almejar ao participar da celebração do Tríduo Pascal.
Dom Paulo Francisco Machado